quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Holy Motors, de Leos Carax

Vou logo avisando que se você é aquele tipo de pessoa que curte filmes de "inicio-meio-fim" todos arrumadinhos, bonitinhos, esse não é um filme pra você.
Holy Motors é um filme que tem uma proposta radical, que rompe qualquer barreira com o aparente, e isso já é mostrado logo na primeira cena, em que o próprio Carax acorda num quarto de hotel, e a câmera vai se movendo em volta desse quarto e para num papel de parede com uma ilustração de árvores que pega todo o enquadramento -muito bonito, aliás-. A medida que Carax vai tateando essa parede ele encontra uma porta. Então,como num filme surreal, seu dedo médio é uma chave que abre essa porta e dá em uma sala de cinema.
Nessa sala é possível ver várias pessoas dormindo durante a sessão, talvez uma crítica ao espectador moderno, que extasia-se apenas com filmes caça-niqueis, cheios de efeitos especiais, perdendo todas as entrelinhas que o cinema pode trazer. Os filmes fáceis são cada dia mais vangloriados.
Nessa sala de cinema é que começa Holy Motors. Nesse filme dentro de um filme, nos é apresentado o protagonista, Monsieur Oscar (Denis Lavant), que entra em sua limousine e começa a atender seus "compromissos". Mas é aí que começa a bizarrice: dentro da limousine é um enorme camarim,e esses compromissos são os vários personagens que ele interpretará ao longo do filme: de uma senhora pedinte até um mendigo-duende que vive nos esgotos de Paris (Senhor Merda, personagem já apresentado por Carax em Tokyo![2006]).
As histórias são completamente desconexas, e tão pouco sabemos porque ele faz essas personagens.
É possível perceber que cada compromisso nos trás um gênero cinematográfico, que ficção científica ao terror, do musical ao drama, emulando emoções, rompendo pré-concepções e tomando a atenção do espectador pela completa falta de sentido.
Ao longo desses compromissos, podemos perceber um cansaço, uma solidão e a perda de identidade do protagonista (quando nos acostumamos com o filme, já não temos ideia de quem ele é), e isso se faz de uma analogia com o próprio propósito do fazer cinematográfico, que pode ser bem explicitado na conversa em que Lavant tem com Michel Piccoli :

"Você ainda gosta do seu trabalho? Estou perguntando isso porque nós achamos (e nesse "nós", pode-se dizer "o espectador") que você parece um pouco cansado recentemente. Alguns não acreditam mais no que estão vendo."
"Sinto falta das câmeras. Elas costumavam ser mais pesadas que nós.Agora elas são menores que nossas cabeças. Agora você não pode ver todas elas.(vale lembrar que Carax não curte muito essas técnicas cinematográficas modernas, e que ele só conseguiria financiamento pro filme se largasse mão da 35 mm), então algumas vezes eu acho muito difícil acreditar nisso tudo"
"Essa nostalgia não é um pouco sentimental? Bandidos não precisam ver câmeras de segurança para acreditar nelas"
"Tentando fazer todos nós paranoicos?"
"Você já não é? Eu sou. Muito.Por exemplo, eu sempre tive certeza de que morrerei um dia."
"O que você quer?"
"Nada. Você sabe que gosto do seu trabalho. Mas alguns de nós..."
"De quem diabos você está falando?"
"Deixe eu fazer as perguntas! O que te faz continuar, Oscar?"
" O que me fez começar: a beleza do gesto."

Essa cena se desenrola em mais ou menos dois minutos, mas eu acho que traduz muitíssimo bem o propósito do filme.

É aquele filme pra você ver e rever, e rever, e encontrar novos significados para o filme, porém por mais que se tente, sempre há alguma coisa nas sombras, inexplicável. Com uma composição fotográfica e enquadramentos muito bem feitos, Holy Motors definitivamente é um filme belo.